Weber, Marx e Paulo Freire: considerações sobre ideologias e o papel do educador – Gabriel Mendes

Max Weber e Karl Marx são dois dos principais autores da sociologia. E a visão de ambos quanto a importância e os objetivos das ciências humanas são completamente antagônicos. E isso tem reflexo na visão e, principalmente, na ação dos agentes educacionais, tanto professores como gestores. E o impacto disso não pode ser desprezado.

Weber acreditava que o cientista deveria buscar uma neutralidade, ainda que ele próprio reconhecesse que isso é impossível de maneira plena. Quanto mais próximo dessa neutralidade, mais próximo o cientista estaria de alcançar resultados satisfatórios em suas pesquisas.

Marx, entretanto, dizia que o papel das ciências humanas deveria ir além da compreensão da realidade. Mais que isso, o cientista deveria ter o papel de mudá-la. Somado esse conceito à sua teoria da luta de classes, fica claro que um teórico marxista terá como objetivo a difusão de ideias atrelada à ação política. Se por um lado o weberiano vai buscar se distanciar de suas paixões, por outro o marxista vai usá-las para guiá-lo.

Paulo Freire nunca escondeu que é um marxista. Em sua principal obra, A Pedagogia do Oprimido que em tese é uma obra sobre educação, Freire não cita um único grande pedagogo ou psicólogo da educação. Entretanto, o livro é recheado de citações, sempre positivas, de destacados teóricos e revolucionários marxistas, como Lenin, Lukács, Fidel Castro, Che Guevara e Mao-Tse Tung.

Freire deixa implícito – e às vezes nem tão implícito assim – que a função da pedagogia para ele deve ser a de um projeto de uma sociedade nova. De um “homem novo”. E isso é evidentemente uma clara tentativa de mudança cultural que ele almeja difundir, não importando os anseios individuais de seus alunos. Afinal, Freire não questionou aos alunos se eles queriam ou concordavam em ser um “homens novos”.

Por mais que Freire e os freireanos gostem de divulgar que sua “pedagogia” tem caráter libertador, uma análise de sua principal obra deixa claro que esta “libertação” é na verdade tornar o aluno mais suscetível à agenda política a que o autor aspira. Freire dizia que “para a educação problematizadora, enquanto um que fazer humanista e libertador, o importante está, em que os homens submetidos à dominação, lutem por sua emancipação” (FREIRE, 1987). É um aforismo bonito, como vários aforismos de Freire que seus adeptos gostam de citar. Mas quando lemos o livro com cuidado e, principalmente, com o necessário distanciamento das ideologias, percebemos que o conceito de emancipação é, na verdade, uma imposição de um modelo que está sendo proposto, que Freire chama várias vezes no livro de “pensar certo”.

Para Freire, pessoas que estão satisfeitas com suas vidas ou tem anseios como ter salários melhores seriam pessoas manipuladas por terem anseios burgueses. E o objetivo deve ser o de superar estes anseios. Freire então diz que “chame-se a este pensar certo de ‘consciência revolucionária’ ou de ‘consciência de classe’, é indispensável à revolução, que não se faz sem ele”.

Fica muito claro que a função do educador não é ensinar, instruir ou criar um ambiente de propagação do conhecimento. A função do educador seria meramente a de fazer com que o aluno se torne crítico. Desde que, é claro, essa criticidade consista em pensar como Paulo Freire pensa e uma elite revolucionária definiu o que é “pensar certo”. (FREIRE, 1987) E pensar como Freire pensa é priorizar uma revolução socialista em vez de priorizar seus valores e conquistas individuais.

A liderança há de confiar nas potencialidades das massas a quem não pode tratar como objetos de sua ação. Há de confiar em que elas são capazes de se empenhar na busca de sua libertação, mas há de desconfiar, sempre desconfiar, da ambiguidade dos homens oprimidos (FREIRE, 1987).

E como em toda teoria revolucionária, aqueles que ousam discordar destes movimentos sofrem punições. Freire, como em várias vezes no livro, exalta Che Guevara dizendo que ele “ao reconhecer a necessidade da punição ao que desertou para manter a coesão e a disciplina do grupo, reconhece também certas razões explicativas da deserção” (FREIRE, 1987). É assustador, pois a pena de Guevara para desertores, como ele mesmo relatou em seus escritos, era a morte. É claro que – ainda bem – nunca nenhum aluno ou trabalhador morreu por pensar diferente de agentes revolucionários. Mas são cada vez mais comuns relatos sobre perseguições e intimidação daqueles que pensam diferente em ambiente escolar.

É preciso, portanto, entender que tipo de educação queremos e o que exatamente aqueles que exaltam Paulo Freire querem. Afinal de contas, um projeto de busca do rigor científico e um projeto revolucionário são, invariavelmente, caminhos opostos. A intenção não é, pelo menos aqui, tornar ilegítimo o caminho freireano. Mas as intenções precisam ser mais explícitas, pois quem ainda acredita que escola é para instruir e difundir conhecimento pode, na verdade, estar esbarrando em projetos autoritários e sem qualquer compromisso com a aquilo que desde sempre chamamos de educação.